Contrariando uma velha teoria sobre o Paraíso, afinal ele existe e é em Lisboa. Mais propriamente no Banco de Portugal.
Vejam lá o que a Câmara Corporativa diz hoje:
"Conselho de administração do Banco de Portugal: “Trabalhe um dia, receba uma pensão de reforma vitalícia e dê a vez a outro.”
Os sucessivos governadores do Banco de Portugal têm algo em comum. Quando aparecem em público de rompante é porque vem aí tormenta: — Os portugueses vivem acima das suas possibilidades. Há que cortar nos ordenados, há que restringir o crédito! Proclamam-no sem que a voz lhes trema, mesmo quando se sabe que o actual governador aufere rendimentos que fariam inveja a Alan Greenspan. No fundo, dizem-nos: — Vocês vivem acima das vossas possibilidades, mas nós não! E têm razão.As remunerações dos membros do conselho de administração do Banco de Portugal são fixadas, de acordo com a alínea a) do art. 40.º da Lei Orgânica, por uma comissão de vencimentos. E quem Luís Campos e Cunha, o então ministro das Finanças e ex-vice-governador do Banco de Portugal, nomeou para o representar e presidir a tal comissão? O ex-governador Miguel Beleza — que, como adiante se verá, e caso este regime também lhe seja aplicável como governador aposentado do Banco, poderá beneficiar dos aumentos aprovados para os membros do conselho de administração no activo. Um mundo fechado a intrusos.Mas tão relevantes como os rendimentos que auferem, são as condições proporcionadas pelo Banco de Portugal no que respeita à aposentação e protecção social dos membros do conselho de administração.O regime de reforma dos administradores do Banco de Portugal foi alterado em 1997, para “acabar com algumas regalias excessivas actualmente existentes.” Ainda assim, não se pode dizer que os membros do conselho de administração tenham razões de queixa. Com efeito, logo no n.º 1 do ponto 3.º (com a epígrafe “Tempo a contar”) das Normas sobre Pensões de Reforma do Conselho de Administração do Banco de Portugal se estabelece:
“O tempo mínimo a fundear pelo Banco de Portugal junto do respectivo Fundo de Pensões, será o correspondente ao mandato (cinco anos), independentemente da cessação de funções.”
Que significa isto? Um membro do conselho de administração toma posse num belo dia e, se nessa tarde lhe apetecer rescindir o contrato, tem a garantia de uma pensão de reforma vitalícia, porque o Banco se compromete a “fundear” o Fundo de Pensões pelo “tempo mínimo (…) correspondente ao mandato (cinco anos)”. O lema do conselho de administração do Banco de Portugal bem poderia ser: “Trabalhe um dia, receba uma pensão de reforma vitalícia e dê a vez a outro.”Acresce que houve o cuidado de não permitir interpretações dúbias que pudessem prejudicar qualquer membro do conselho de administração que, “a qualquer título”, venha a cessar funções. O n.º 1 do ponto 4.º das Normas sobre Pensões de Reforma dissipa quaisquer dúvidas:
“O Banco de Portugal, através do seu Fundo de Pensões, garantirá uma pensão de reforma correspondente ao período mínimo de cinco anos, ainda que o M.C.A. [membro do conselho de administração] cesse funções, a qualquer título.”
Quem arquitectou as Normas sobre Pensões de Reforma pensou em tudo — até na degradação do valor das pensões. É assim que o n.º 1 do ponto 6.º estabelece:
“As pensões de reforma serão actualizadas, a cem por cento, na base da evolução das retribuições dos futuros conselhos de administração, sem prejuízo dos direitos adquiridos.”
E o esquema foi tão bem montado que as Normas sobre Pensões de Reforma não deixam de prever a possibilidade de o membro do conselho de administração se considerar ainda válido para agarrar uma outra qualquer oportunidade de trabalho que se lhe depare. Para tanto, temos o ponto 7.º, com a epígrafe “Cumulação de pensões”, que prevê: “Obtida uma pensão de reforma do banco de Portugal, o M.C.A. [membro do conselho de administração] poderá obter nova pensão da C.G.A. ou de outro qualquer regime, cumulável com a primeira (…).Mas há mais. O ponto 8.º dispõe que o “M.C.A. [membro do conselho de administração] em situação de reforma gozará de todas as regalias sociais concedidas aos M.C.A. e aos empregados do Banco, devendo a sua pensão de reforma vir a beneficiar de todas as vantagens que àqueles venham a ser atribuídas.”Não há dúvida de que quem elaborou as Normas sobre Pensões de Reforma do Conselho de Administração do Banco de Portugal fez um excelente trabalho. Pena é que não tenha igualmente colaborado na elaboração do Código do IRS, de modo a compatibilizar ambos os instrumentos legais. Não tendo acontecido assim, há aquela maçada de as contribuições do Banco de Portugal para o Fundo de Pensões poderem ser consideradas “direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários” e, neste caso, sujeitas a IRS, nos termos do art. 2.º, n.º 3, alínea b), n.º 3, do referido código. No melhor pano cai a nódoa.
posted by Miguel Abrantes @ 30.11.05
Peço já apoio psicológico para continuar a pagar impostos!
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