Ferreira Fernandes excede-se e dá-as a quem delas de facto não precisa, nem as merece ou apenas compreende:
O seu texto de hoje é absolutamente imperdível. Ora vejam:
"Ontem, apanhei um táxi. Era uma senhora que o conduzia. Cara grave, zangada, mesmo. Reconheci-a, há poucos meses já apanhara este táxi e esta taxista. O tom de voz confirmou--me: "Existe na sociedade portuguesa um clima de suspeição!" Era ela. E já não era só a voz com pontos de exclamação e o cenho franzido. Era a conversa. Da outra vez, lembro-me, ela atirou-se à "asfixia democrática na sociedade portuguesa". Nessa primeira viagem, aproveitei o semáforo vermelho: asfixia, acha? E ela, acelerando, mal o verde abriu: "Escutas..." E eu: mas há escutas? E ela: "Eu não quero saber se há escutas ou não, eu não quero saber se há retaliações ou não, o que é grave é que as pessoas acham que há!" Ontem, também esperei uma paragem (lei: nunca contestar um taxista com o semáforo no amarelo, ele, ou ela, acelera) para perguntar: suspeição? Fiz bem em ter aproveitado uma paragem, porque a senhora largou o volante e virou-se: "Mas onde é que você anda? Em todos os cafés, em todos os autocarros, a conversa é só essa..." Não alimento cientistas sociais à bandeirada, anunciei-lhe que saía ali. Paguei, abri a porta e ela ainda me gritou qualquer coisa. Acho que dizia "destruição de provas...", mas fiquei sem saber do que ela falava. Nem ela, suspeito.
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