Eu não dizia que as obras do passadiço se justificam?
Não esperava era ter de citar aqui um texto do VPValente que, ultimamente, tem quase o exclusivo da má fé e da má língua nos jornais.
Mas como são, os dois, da mesma área política, as zangas entre comadres sempre servem para alguma coisa...
Como o texto é de 98 talvez o veneno tenha passado de prazo. E o retrato, amarelecido, nos deixe vislumbrar os principais contornos da borrasca que aí vem:
"Cavaco: retrato de um português muito conhecido"
"... o dr. Cavaco entrou em cena, afirmando classicamente a imoralidade da política (...) Em 1978, expusera com inteira franqueza, as suas opiniões sobre o assunto na revista Economia: nomeadamente a de que «o político como criatura dedicada à prossecução dos interesses da sociedade como um todo» era um mito. Os políticos, segundo o dr. Cavaco, só se movem por duas ordens de 'objectivos': «o seu próprio bem-estar» e a sua «permanência do poder». Donde resulta, como ele a seguir minuciosamente argumenta, que a política constitui o principal impedimento a que uma sociedade seja bem governada. Num mundo ideal, não existiria política, isto é, não existiria partidos: existiria apenas a vontade de competência (...)Esse 'homem de Boliqueime', que chegava do 'nada', magro e esfomeado, cumpridor e virtuoso, endurecido pelas humilhações e pelos começos difíceis, reflectia a multidão que rilhava o seu ódio aos políticos nas universidades e nos ministérios, nos jornais e nas empresas públicas. Cavaco era a própria essência do arrivismo. Sendo um autêntico reacionário, detestava a burguesia tradicional e proclamava a sua dedicação ao povo: queria o prestígio da autoridade, o amor do trabalho e o fortalecimento da família; vivia obcecado com a sua própria competência, a sua importância e os sinais exteriores da sua dignidade. E não conseguia impedir que transparecesse, sob este já desagradável exterior, uma vaidade ingénua e vertiginosa, que apregoava as suas proezas atléticas, a sua perene juventude, os seus graus académicos, o seu saber, a sua clarividência e até, constantemente, os elogios que recebia do estrangeiro, como se a sua fama, partindo de Boliqueime e parando em Lisboa, fosse o caminho do mundo (...) Ele sente-se como o proverbial menino holandês com o dedo no dique. Se alguém o mover um só milímetro segue-se o desastre. Ceder uma vez significa animar as fúrias e frustrações portuguesas, que já de si andam agitadas. Ele não cede. Dá audiência real à oposição e chama à conversa 'diálogo'. Não se corrige, mesmo quando erra, e, se se corrige, nega que se corrigiu (...)Cavaco supõe que a sua impassividade inspira confiança. Inspira, pelo menos, uma certa apatia e tende a desencorajar as partes queixosas, que se cansam de bater com a cabeça num muro. Ele acha isso óptimo, sem perceber que perde no processo. O principio fundamental do cavaquismo não lhe permite perceber (...)
[Vasco Pulido Valente, "Cavaco: retrato de um português muito conhecido", in O Independente, 15 de Maio de 1998]
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