sexta-feira, setembro 02, 2005

O lixo debaixo do tapete e a desagragação social

Deixem-me fazer as citações um bocado mais adiante.
Prefiro começar por dizer que conheço um pouco dos EUA e que ali se vive desde há muito a mais descarada e desavergonhada segregação racial. Que o ódio racial é claro e que basta ser-se pouco branco para se ser corrido de lugares, empregos e bairros ou, pelo contrário, ser-se pouco negro para correr os mais sérios riscos, incluindo o da própria morte, em guetos, bairros, cidades e até Estados negros.
Aquilo há muito que pode rebentar pelas mal cosidas costuras sociais.
Ora a segregação racial não é um fim em si própria, não senhor. É apenas a fase mais visível do fenómeno da violentíssima acumulação de capital, da consequente segregação social e justificação desa mesma segregação com base na cor de pele, na origem étnica e na religão. Porque há uma religião do estado. Não duvidem!
Depois, na chamada terra da liberdade e da democracia, há ainda o regime de repressão e de terror que ali vigora.
Um de cada cinco negros americanos - e são negros todos os que não forem brancos caucasianos - Um em cada cinco, dizia, está na cadeia!
Os restantes quatro estão, na sua maioria, num estado de miséria indescritível. no plano social, no educativo e no dos bens materiais. Sem quaisquer recursos materiais ou de esperança de verem alterada este estado de coisas.
Constituem a reserva de mão-de-obra sempre disponível e barata que, depois de terem enriquecido gerações e gerações de negreiros e de proprietários de terras de algodão, estão agora, compelidos, a engrossar as fileiras dos exércitos que os EAU têm espalhados pelo mundo.
Só que estavam tapados pelo tapete da propaganda e pela voz dos media domesticados, quer lá quer por esse mundo de Deus!
E não é que veio um furacão e acertou em cheio no Burquina-Fasso, perdão, na Somália, perdão, no Sri-Lanca, não, não, foi no Sul do Império. Lá nos Estados do Sul e tirou o tapete, literalmente, à propaganda àcerca do paraìso na Terra. De repente os nossos ecrans ficaram indesculpavelmente confusos. Onde é que estamos?
Os "pivots", de unha envernizada e brilhantina na testa, olhavam para a câmara e saíam-lhes fracos vagidos, vagos comentários, ao que viam.
Aquilo afinal são os EUA que pelo mundo fora espalham o medo, a morte e a sobranceria? Com aqueles pobres todos? Daquela cor? Sem eira nem beira?
E então que dizer, dos extraordinários meios de apoio e de socorro que não aparecem em lado nenhum?; das imensas universidades onde os mais ricos desenvolvem as melhores bombas para atacar os mais pobres?
Afinal parece que só havia plano de evacuação, de apoio e de socorro para os mais ricos. Para os brancos que deixaram a cidade entregue a si própria!
Bastou um furacão, muita chuva - que falta nos fazia! - e dois dias de ausência de autoridade para que a sociedade se desfizesse, que os ódios interraciais e toda a animalidade surgisse à luz do dia, sem qualquer controlo e sem que as autoridades pudessem fazer outra coisa que não fosse gritar "Ó da guarda que está a chover"!
A governadora exigiu a presença de 40.000 soldados especiais para controlarem a população da cidade! E com ordem para atirar a matar!
Mas 40.000 é um exército! E dizem precisar de meses.
A maior das inépcias e uma gigantesca sobranceria possibilitou que os ricos e mais abastados fugissem da zona, depois de avisados. Todos os restantes, todos pobres e na maioria todos negros foram deixados aos milhões para trás, como coisas não solúveis, na água.
Mas sem água potável, sem comida, sem luz eléctrica ou saneamento. Sem socorro! Dias a fio.
Mergulhados na maior imundíce, na água contaminada com as fossas e latrinas. Com os depósitos do lixo urbano e os cadáveres humanos e animais a flutuar entre os telhados das casas de madeira e zinco onde vivia a maioria da população. Com toda a poluição de produtos do petróleo - sempre ele - que continuadamente se derramam da indústria agora imobilizada e abandonada.
Diante deste quadro - sobre o qual muito mais há a dizer - devo perguntar aos que só atiram pedras a Cuba, se por acaso alguma vez viram, por lá, imagens tão degradantes como aquelas que nos apresentam agora, hoje, sobre os EUA?
Já alguma vez viram o presidente de Cuba não poder aterrar de helicóptero com medo dos ataques da sua própria população?
Por este caminho, e se vivermos mais uns anos, ainda veremos a onda de emigrantes a desejar chegar a Cuba!

Tinha um plano de pré-reforma para a minha prancha e estou a ver que afinal vou ter é horas extra. Trabalhos dobrados!

Agora as citações, só de americanos não filiados nem na Al-quaeda nem no PC, que eu tenho cuidado com as companhias:

"I assume the president's going to say he got bad intelligence... I think that wherever you see poverty, whether it's in the white rural community or the black urban community, you see that the resources have been sucked up into the war and tax cuts for the rich." -- Congressman Charles B. Rangel"

Many black people feel that their race, their property conditions and their voting patterns have been a factor in the response....I'm not saying that myself, but what's self-evident is that you have many poor people without a way out." -- Rev. Jesse Jackson"

In New Orleans, the disaster's impact underscores the intersection of race and class in a city where fully two-thirds of its residents are black and more than a quarter of the city lives in poverty. In the Lower Ninth Ward neighborhood, which was inundated by the floodwaters, more than 98 percent of the residents are black and more than a third live in poverty."-- David Gonzalez, NY Times

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