terça-feira, novembro 29, 2005

Revisitar Guerra Junqueiro

PARASITAS
No meio duma feira, uns poucos de palhaços
Andavam a mostrar, em cima dum jumento
Um aborto infeliz, sem mãos, sem pés, sem braços,
Aborto que lhes dava um grande rendimento.

Os magros histriões, hipócritas, devassos,
Exploravam assim a flor do sentimento,
E o monstro arregalava os grandes olhos baços,
Uns olhos sem calor e sem entendimento.

E toda a gente deu esmola aos tais ciganos:
Deram esmola até mendigos quase nus.
E eu, ao ver este quadro, apóstolos romanos,

Eu lembrei-me de vós, funâmbulos da Cruz,
Que andais pelo universo há mil e tantos anos,
Exibindo, explorando o corpo de Jesus
.

1 comentário:

Arrebenta disse...

GRANDE ENTREVISTA DE CAVACO SILVA A KATIA REBARBADO D'ABREU (9ª Parte) - "Dos Comboios-Fantasma às Estradas da Morte"


(Continuação)

K.R.A. -- … e como explica aos Portugueses que, numa imitação provinciana de Margareth Tatcher, tenha desactivado a rede ferroviária nevrálgica do Interior, tornando o interior ainda mais pobre e interior?... Acha normal que, num país completamente dependente da importação do petróleo, se tenha dado a primazia a uma rede de estradas mal feitas, em detrimento das infra-estruturas ferroviárias existentes?...

C.S. -- Minha senhora, os Portugueses tinham direito, nessa altura, a ter estradas mínimas para poderem circular com a sua viatura própria... Nós estávamos, nesse instante, nos pontos mais altos dos nossos índices de Desenvolvimento Humano, comigo como Primeiro-Ministro, e com o Dr. Mário Soares, como Presidente da República… Deixe que lhe recorde que foi nessa altura que os nossos empresários de sucesso do Vale do Ave passaram a dispor de viaturas topo de gama, como não tinham tido até então, que os próprios fabricantes da Maseratti se deslocaram ao nosso país, para verem onde ficava Famalicão, o Umbigo do Mundo, o lugar onde, em toda a Terra mais Maserattis se vendiam!... Por onde é que a senhora queria que os Portugueses andassem, se não tinham estradas?... A senhora, por acaso, ainda se lembra do tempo em que os Portugueses não tinham carro, e eram obrigados a deslocar-se de transportes públicos?...

K.R.A. -- … como acontece nas cidades do Terceiro Mundo, professor, como Londres, Paris ou Nova Iorque... E o Professor também acha normal que as estradas e auto-estradas fossem desenhadas e executadas num permanente regime de violação de regras de traçado, multiplicando desastrosas inclinações e ofendendo curvas de comodidade, chegando a roubar-se 3 cms de asfalto na camada de desgaste?... O Professor sabe, por acaso, quanto economizou, num só ano, a Air Continental, ao decidir colocar uma azeitona a menos em cada prato de uma das refeições servidas a bordo?... Pois economizou 200 000 dólares, Professor… Agora, Professor, imagine quanto dinheiro não terá sido poupado e imediatamente desviado, ao roubar 3 cms de camada de desgaste, ao longo de dezenas, centenas, milhares de quilómetros de uma década de estradas falsificadas...

C.S. – (Silêncio)

K.R.A. – Quanto nos está a custar refazer as suas estradas mal traçadas?... Quanto nos vai sair refazer o IP5, a Estrada da Morte, com a sua rede mafiosa de ex-magistrados octogenários, e nonagenários, por detrás, a manipular e a multiplicar custos de expropriações de terrenos?... O Professor acha normal que, enquanto o eixo Franco-Alemão e o Benelux tenham apostado numa fortíssima rede de infra-estruturas ferroviárias de TGV, nós tenhamos chegado ao apuro de, no início do séc. XXI, termos Viseu, a então clássica capital do “Cavaquistão”, a ser ainda a maior cidade europeia a não ser servida por linha férrea?...

C. S. -- ... mas, como sabe, ganhei lá sempre as eleições, o que, deixe-me que lhe diga, também sempre entendi como prova de que estava a seguir o rumo certo. Eu não tinha dúvidas no que estava a fazer, minha senhora, e eles também raramente se enganavam, de cada vez que iam as urnas...

K.R.A. -- A minha leitura desse facto é diferente, Professor: ao contrário das grandes capitais europeias, nas quais, ao longo das mais variadas ocasiões, políticos, chegados da província, se deslocavam à grande metrópole para a absorverem por todos os poros, e ela lhes servir de enorme palco e ensinamento, o Professor limitou-se a espalhar o seu provincianismo pelo país inteiro, e a trazer a sua pequena aldeia para Lisboa...

C.S. -- Aldeia, não, minha senhora, vila, Vila de Boliqueime!... A senhora, por acaso, já foi a Boliqueime?... Olhe que devia ir, é uma verdadeira vila, espelho do progresso português, uma estrada razoavelmente asfaltada, a dividi-la bem ao meio, e uma bomba de gasolina, do lado direito, para os dias de emergência!...

K.R.A. -- não, Professor, nunca fui, e nunca irei a Boliqueime: bastaram-me os dez anos em que fui forçada a ter o espírito de Boliqueime a vir diariamente até mim….

(Continua)