sábado, outubro 29, 2005

Memórias do Verão ou o Estado Maior


Não resisto a um momento de maior tranquilidade, uma vez desancados uns energúmenos e arrepiados uns pombos mansos.
Este Verão, na Vila da Comporta, passando uns dias de calor e de banhos, fomos atacados por milhares de moscas que ao cair da tarde nos confundiam com favos de mel.
Mata-moscas, nada! Não havia, e tive de ir uns kms adiante ao Carvalhal, vila atafulhada de lojas para turistas e de alentejanos espantados, onde procurei saber da drogaria.
Era ali na rua de trás, na esquina. Lá a encontrei. Correspondia à descrição. Nos alguidares de plástico e nos carretos de pesca. Nos bacios de esmalte com estampados chineses de paisagens bucólicas. Até no cheiro indistinto entre o DDT e o petróleo de iluminação. Pregos de 3" e tubos de todas as outras dimensões. Cortinas de nylon e redes mosquiteiras.
Em redor, cada um dos artefactos, pendurados naquela estimável ordem de "ficas já aqui que amanhã estás à mão".
Mas mata-moscas de plástico, daqueles que são temporáriamente verdes ou azuis e que depois ficam assim com meias moscas secas e mortas agarradas, nada. Nem um.
Perguntei à figura dooutro lado das mangueiras de jardim.
- Esgotados. Tem sido um ano de muita mosca! Isso é que tem!
A voz vinha detrás do balcão, com aquela entoação compreensiva para com as moscas e os veraneantes .
E não era uma voz totalmente desconhecida.
Virei-me, passei entre rolos de papel higiénico e pilhas de pratos de plástico de cores e tamanhos variados e dei de caras com o general Eanes, atrás do balcão. Palavra de honra!
- É como lhe digo, caro senhor, lá em casa tivemos que as tratar com isto. E apontava para uns pacotes amarelos, em cima do balcão.
Confesso, demorei a reagir o tempo suficiente para que ele julgasse eu duvidava da competência da informação.
Estive até para iniciar aquela frase do bom dia senhor general que lindo dia não é.
Mas não tive tempo. Insistia e explicava:
- Olhe que isto mata-as aí num raio de 30 ou 40 metros!
-Parece-me que sim senhor vou levar isso.
- Vai bem servido, digo-lhe eu
- Oh senhor general, olhe que nisto de matar o senhor deve ser uma autoridade... eu não passo dum amador!
Primeiro encheu o peito, depois sorriu. Não sei se compreendendo a franqueza irónica do que ouvira ou se para saudar a D.Manuela que entrava, desmachando um pouco o penteado e chamando-o pelo primeiro nome, como na intimidade.
-Vamos António, que ainda passo ali na farmácia.
Fiquei ali de pacote de insecticida na mão a pensar que afinal quase participara duma sessão do Estado Maior, na preparação de um ataque químico, delineado por um general, ex-presidente da República.
Tal como as moscas, o Verão acabou, e agora o general Eanes é o mandatário da campanha do Cavaco.
Fico na dúvida, se manda nas moscas ou nos venenos!
Publicado por Manuel Ferrer

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